sábado, 29 de dezembro de 2012

Corte Especial considera tempestivo recurso apresentado fora do prazo por erro em site de tribunal



A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou a jurisprudência e considerou tempestivo um recurso apresentado fora de prazo em razão de erro no site do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). “A jurisprudência deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que confiou nos dados fornecidos pelo próprio Judiciário”, ponderou o ministro Herman Benjamin, relator do recurso. A decisão foi unânime.

“A divulgação do andamento processual pelos tribunais, por meio da internet, passou a representar a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do feito”, destacou Benjamin. “Ainda que não se afirme que o prazo correto é aquele erroneamente disponibilizado pela internet, não é razoável frustrar a boa-fé que deve orientar a relação entre os litigantes e o Judiciário”, completou.

Para o ministro, deve-se afastar o rigor excessivo na contagem dos prazos processuais quando o descumprimento decorre de fato que não dependeu da vontade da parte, mas diretamente de erro cometido pelo Judiciário.

Tempestividade 
No recurso, é discutida a tempestividade de embargos à execução. A sentença, mantida pelo TJSC, entendeu pela intempestividade, pois o mandado de citação foi juntado aos autos em 16/6/2010, de modo que o prazo de 30 dias terminou em 16/7/2010, mas a petição foi protocolada apenas em 20/7/2010.

O autor dos embargos defende que deve ser considerada a data indicada no sistema de acompanhamento processual fornecido pelo próprio Judiciário estadual pela internet, segundo o qual o mandado teria sido juntado aos autos somente em 18/6/2010 (sexta-feira), de modo que o prazo de 30 dias teria se iniciado apenas em 21/6/2010 e terminado exatamente no dia do protocolo da petição de embargos à execução (20/7/2010).

Precedentes

Ao analisar o caso, o ministro Herman Benjamin lembrou que o precedente mais recente da Corte Especial do STJ sobre o tema era de 2007 (EREsp 514.412), em sentido contrário ao reconhecimento da validade do ato, apesar do erro no site oficial, o que, no entender do relator, abre a possibilidade de revisão do posicionamento do Tribunal.

O ministro citou que a Terceira Turma, em 2011, entendeu que “o equívoco ou a omissão nas informações processuais prestadas na página eletrônica dos tribunais configura justa causa a autorizar a prática posterior do ato, sem prejuízo da parte” (REsp 960.280). Em outro recurso, julgado no mesmo ano, a Terceira Turma afirmou que se deve “prestigiar a divulgação de informações e a utilização de recursos tecnológicos em favor da melhor prestação jurisdicional”.

Em ambos os casos, a Turma alinhou-se à Lei 11.419/06 (lei do processo eletrônico), que retirou força da tese de que “as informações processuais fornecidas pelos sites oficiais dos Tribunais de Justiça e/ou Tribunais Regionais Federais somente possuem cunho informativo” (REsp 1.186.276).

Com a decisão da Corte Especial, o processo retornará ao TJSC para que verifique os prazos, conforme o novo entendimento do STJ, e sendo o caso, devolva-o à primeira instância para que prossiga no julgamento dos embargos à execução. 

Fonte: STJ

Participação indireta na formação do patrimônio permite divisão de bens de ex-companheiro casado



A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) validou decisão da Justiça gaúcha que determinou a ex-companheiro a divisão de bens adquiridos durante o relacionamento. A decisão excluiu dessa divisão os bens já destinados antes à esposa, em separação judicial, e reconheceu a participação indireta da ex-companheira na formação do patrimônio.

O relacionamento teve início nos anos 70 e logo deu origem a um filho. Segundo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), os companheiros mantinham relacionamento amoroso público e constante.

A ministra Nancy Andrighi afirmou que o TJRS concluiu que, apesar da permanência do casamento formal e paralelo com a esposa, era à companheira que o homem vivia emocional e socialmente vinculado. A separação e o divórcio teriam decorrido do relacionamento com a ex-companheira.

Contribuição indireta

A relatora também indicou que o TJRS teve o cuidado de separar devidamente a situação dos companheiros antes da Constituição de 88 – aplicando a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal e o conceito de sociedade de fato – e depois de sua promulgação e da regulação legal desse tipo de união.

A jurisprudência do STJ se firmou no mesmo sentido, de privilegiar a possibilidade de contribuição indireta na formação do patrimônio do casal.

“As conclusões adotadas pelo tribunal de origem, no sentido de que em sociedades de fato, como a relatada neste processo, pode se evidenciar o esforço comum no aumento patrimonial do casal, por meio de contribuição indireta, evidenciam a perfeita sintonia com o raciocínio adotado pela jurisprudência do STJ, o que torna inviável o recurso especial”, concluiu a ministra.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

Fonte: STJ 

Admitida reclamação sobre termo inicial de juros de mora em indenização por dano moral



A ministra Isabel Gallotti admitiu o processamento de reclamação sobre o início da incidência de juros de mora em caso de indenização por dano moral decorrente de inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. A reclamação foi apresentada por consumidor contra decisão de turma recursal estadual, que entendeu que os juros devem correr a partir da data em que é fixada a indenização.

Para a ministra, a decisão diverge da Súmula 54 do STJ, que dispõe que "os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.

De acordo com o consumidor, a Credi 21 Participações S/A incluiu seu nome indevidamente em cadastros de proteção ao crédito, após a celebração de contrato com falsário que se passou por ele. Diante disso, ajuizou contra a empresa ação declaratória de inexistência de dívida, com pedido de indenização.

Data da sentença 
A sentença julgou a ação procedente para declarar inexistente o débito vinculado ao nome do consumidor. Condenou ainda a empresa ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil, acrescida de correção monetária desde a data da sentença, e de juros de mora à taxa de 1% ao mês, desde a citação, além de determinar a exclusão definitiva, pela empresa, da inscrição do nome do consumidor nos cadastros de proteção ao crédito.

A Credi 21 interpôs recurso na Sétima Turma de Recursos de Itajaí (SC), pedindo que fosse alterado o início da incidência dos juros moratórios. O colegiado admitiu o recurso e alterou o termo inicial dos juros para a data da sentença.

Para o consumidor, essa decisão diverge da jurisprudência do STJ, em especial da Súmula 54. Por isso, requer que seja reconhecida a divergência e reformada a decisão proferida pela turma recursal, no sentido de ser fixada, como marco inicial dos juros moratórios, a data de inclusão do seu nome na lista de inadimplentes. O consumidor cita ainda precedentes do STJ, que em casos semelhantes reafirmou o entendimento consolidado na súmula.

Ao analisar o recurso, a ministra Isabel Gallotti observou que o consumidor tem razão quanto à divergência sumular e a decisão da turma recursal. Diante disso, admitiu o processamento da reclamação, que será julgada pela Segunda Seção. 

Fonte: STJ

Dilma Rousseff sanciona lei que cria 80 cargos no STJ



A presidenta da República, Dilma Rousseff, sancionou a Lei 12.762/12, que cria 80 cargos comissionados, nível CJ3, para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de três varas federais no Amapá e 133 cargos efetivos, funções comissionadas e cargos em comissão para a seção judiciária daquele estado. A publicação saiu no Diário Oficial da União, Seção 1, desta sexta-feira (28).

A criação dos novos cargos, todos na área fim, visa a um ajuste prioritário e essencial ao adequado funcionamento do STJ, responsável pela apreciação, em última instância, de toda matéria infraconstitucional. Só em 2012, o Tribunal realizou 362.141 julgamentos, 17,02% a mais que em 2011.

Além das 362.141 decisões proferidas pelos órgãos julgadores do STJ ou pelos ministros relatores (monocráticas), houve ainda 48.136 decisões e despachos nos processos de competência da presidência e da vice-presidência do Tribunal. 

Fonte: STJ

Suspensa decisão que permitia funcionamento de franquias da ECT sem licitação


O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, concedeu liminar em pedido de Suspensão de Tutela Antecipada (STA 685) formulado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) contra decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que permitia que contratos de franquia postal firmados sem licitação tivessem vigência postergada para além do prazo legal.
A tutela antecipada foi concedida pelo TRF-1 em ação ajuizada pela Associação Brasileira de Empresas Prestadoras de Serviços Postais (Abrapost). Em nome de um grupo de franqueados, a entidade pretendia ver reconhecido o direito de que as franquias concedidas antes da vigência da Lei 11.688/2008 permanecessem em atividade até que novos franqueados de agências de correio, contratados por meio de licitação, entrassem em operação.
No pedido de suspensão de tutela, a empresa explicou que suas franquias atuam apenas na fase de atendimento, enquanto o controle operacional das demais fases do ciclo postal – tratamento, expedição, transporte e distribuição – são da ECT. Pela prestação do serviço de atendimento, a agência franqueada recebe comissão para cobrir custos de operação e de investimentos, variável conforme a complexidade dos produtos ou serviços prestados.
Até 2008, as franquias eram concedidas sem licitação. A Lei 11.668/2008, regulamentada pelo Decreto 6.639/2008, passou a exigir o procedimento licitatório, fixando prazo até setembro de 2012 para a conclusão das novas contratações – ao fim das quais os contratos antigos seriam extintos. Segundo a ECT, portanto, os contratos em vigor pelo sistema antigo são nulos, e a antecipação de tutela perpetua a exploração dos serviços postais por pessoas que não foram vencedoras de licitações válidas.
Ao decidir, o ministro Joaquim Barbosa considerou válido, “em juízo puramente provisório”, o argumento da empresa de que a decisão do TRF-1 “coloca em xeque a confiança do jurisdicionado na aplicação constante de regras e de princípios que lhes asseguram competir com seus concidadãos sem a presença de vantagens artificialmente criadas”. Ele observou que a questão não é recente: em 1994, o Tribunal de Contas da União (TCU) já questionava a constitucionalidade e a legalidade de “concessão a particulares sem critérios objetivos e técnicos e sem processo licitatório”.
Outro aspecto destacado pelo ministro foi a caracterização de lesão ao erário, uma vez que as comissões repassadas pela ECT não estão sendo destinadas a pessoas que atendam aos requisitos constitucionais e legais. “O valor é vultoso e recorrente, segundo relato feito pela ECT”, assinalou. 
O risco de descontinuidade de serviço essencial, um dos fundamentos da antecipação de tutela, também foi afastado diante da informação da ECT de que já elaborou plano de contingência para ela própria assumir as operações nos locais em que não se apresentaram interessados ou foram inabilitados. “Para o interesse do usuário, pouco importa a identidade geral da pessoa que presta o serviço”, afirmou o presidente do STF.

Por outro lado, a decisão considera a existência de fundado risco à ordem social, decorrente da aparente violação do princípio da legalidade, uma vez que tanto a Constituição Federal (artigo 37, inciso XXI) quanto a Lei 8.666/93 (artigo 2º) vinculam expressamente a prestação de serviços públicos remunerados por particulares à prévia licitação.
Fonte: STF

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

STJ reconhece ação investigatória de paternidade ajuizada por filho adotado à brasileira contra pai biológico



A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu pedido de uma filha para ter seus pais biológicos reconhecidos juridicamente, com todas as consequências legais, determinando-se também a anulação do registro de nascimento para que eles figurem como pais legítimos, em detrimento dos pais adotivos.

O colegiado levou em consideração o entendimento de que, embora tenha sido acolhida em lar adotivo e usufruído de uma relação socioafetiva, nada lhe retira o direito de ter acesso à verdade biológica que lhe foi usurpada desde o nascimento até a idade madura.

A filha ajuizou ação de investigação de paternidade e maternidade cumulada com anulação de registro contra seus pais biológicos, alegando que, com seis meses de vida, foi entregue a um casal, que a registrou como se fosse filha biológica.

Na adolescência, soube que a mãe biológica era sua madrinha. Mas seus pais adotivos desconheciam quem era o pai biológico, pois a menina lhes fora entregue pela genitora. Somente seis anos depois da morte de seus pais registrais, quando ela tinha 47 anos de idade, conseguiu saber a identidade do pai biológico e, assim, propôs a ação.

O juízo de primeiro grau acolheu o pedido da filha, declarando os pais biológicos seus pais para todos os fins de direito, inclusive hereditários. No entanto, manteve íntegro o registro de nascimento.

Em apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reformou a sentença e julgou a ação improcedente. “Mostra-se flagrantemente descabida a investigação de paternidade, quando resta consolidada a relação jurídica de paternidade socioafetiva com o pai e a mãe registrais”, afirmou o TJRS.

No STJ, o Ministério Público estadual interpôs recurso especial sustentando a possibilidade de anulação do registro da autora, para que seja lançada a filiação biológica, apurada em exame de DNA, em detrimento da paternidade registral e socioafetiva.

Paternidade biológica 
Em seu voto, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, disse que deve prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, essa afirmação seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva.

“No caso de ser o filho quem vindica esse estado contrário ao que consta no registro civil”, alertou o ministro, “parece claro que lhe socorre a existência de erro ou falsidade para os quais não contribuiu.”

Segundo o ministro, afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de “adoção à brasileira”, significa impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei.

“A paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente e que não se desfaz com a prática ilícita da chamada ‘adoção à brasileira’, independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram. E, do mesmo modo, a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo, no caso, haver equiparação entre a adoção regular e a chamada ‘adoção à brasileira’”, afirmou Salomão.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

Fonte: STJ

Passageiro que caiu ao descer de ônibus tem direito à indenização do seguro obrigatório



A diminuição definitiva de capacidade motora, ocasionada por queda sofrida ao descer de coletivo urbano, está coberta pelo Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores (DPVAT). O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A vítima do acidente moveu ação de cobrança contra a Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT S/A, alegando que deveria receber o seguro obrigatório em decorrência da redução definitiva de sua capacidade motora, ocasionada por queda sofrida ao descer de transporte coletivo urbano.

O pedido não foi acolhido pelo juízo de primeiro grau, que considerou que o acidente sofrido pela autora da ação não pode ser considerado acidente de trânsito e, por isso, não é possível a cobertura pelo DPVAT.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve a sentença, por entender que não ficou configurada a ocorrência de acidente de trânsito. Segundo o TJRS, o fato não ocorreu dentro do ônibus, mas sim em função da brusca movimentação do veículo. Isso fez com que a vítima caísse “de dentro para fora do ônibus”, sobre o meio-fio, “vindo a sofrer as lesões que a tornariam inválida”.

No STJ, a vítima reafirmou que fazia jus à indenização, pois o acidente estaria entre aqueles cobertos pelo seguro obrigatório.

Causa determinante 
Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi, relatora, lembrou que o DPVAT tem por objetivo a reparação por eventual dano pessoal, independentemente de juízo de valor acerca da existência de culpa. “Para que o sinistro seja considerado protegido pelo seguro DPVAT, é necessário que ele tenha sido ocasionado pelo uso de veículo automotor”, acrescentou a relatora.

Segundo a ministra, no caso, a queda da vítima ocorreu após a brusca movimentação do veículo. Essa movimentação anormal do ônibus foi a causa determinante do dano sofrido, portanto, para a ministra, é cabível a indenização securitária.

Quanto ao valor da indenização, Nancy Andrighi determinou o retorno do processo ao tribunal estadual, a fim de que este apure e adote o valor proporcional ao grau de invalidez. 

Fonte: STJ

Prescreve em cinco anos o direito de pedir indenização à fazenda pública



Prescreve em cinco anos todo e qualquer direito ou ação movida contra a fazenda pública, seja ela federal, estadual ou municipal, inclusive para pedir indenização por reparação civil. Foi o que definiu de forma unânime a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recurso repetitivo relatado pelo ministro Mauro Campbell Marques. A tese passa a orientar as demais instâncias da Justiça brasileira em ações que discutem a mesma questão.

No caso julgado, o recurso no STJ era do município de Londrina (PR). A ação de indenização trata da queda de uma árvore em via pública sobre um automóvel estacionado. Em primeiro grau, a sentença aplicou o Código Civil (artigo 206, parágrafo 3º, V), que fixa em três anos o prazo para propositura de ações de reparação civil. Houve apelação e o Tribunal de Justiça do Paraná reformou a sentença, fixando o prazo prescricional em cinco anos, conforme o Decreto 20.910/32, por entender que o seu artigo 1º não foi revogado pelo novo CC.

Ao analisar o recurso, o ministro Campbell reconheceu que a jurisprudência e a doutrina muito têm debatido sobre o prazo cabível em ações de indenização contra a fazenda pública, especialmente com o advento da regra trienal do CC de 2002. Entretanto, o ministro confirmou que nessas ações indenizatórias aplica-se o prazo quinquenal, previsto no artigo 1º do Decreto 20.910.

O ministro explicou que “a natureza especial do Decreto 20.910, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a fazenda pública”, é o que autoriza a sua aplicação em detrimento do que dispõe o Código Civil.

Também ficou estabelecido que a previsão contida no artigo 10 do Decreto 20.910, por si só, não autoriza a afirmação de que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a fazenda pública foi reduzido pelo Código Civil de 2002, devendo ser interpretada pelos critérios histórico e hermenêutico. 

Fonte: STJ

Condômino que não participa de demanda possessória tem legitimidade para opor embargos de terceiro



O condômino cujos interesses são atingidos por uma ação possessória e que não foi colocado no polo passivo de tal demanda pode apresentar embargos de terceiro. O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso de condômino, terceiro em ação possessória, contra decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT).

Em primeiro grau, foi ajuizada ação possessória. Deferida a liminar na possessória, um condômino do imóvel optou por opor embargos de terceiro, instrumento processual acolhido pelo magistrado.

Contudo, o TJMT, ao apreciar agravo de instrumento do autor da possessória, extinguiu os embargos de terceiro, sem resolução de mérito. Segundo o tribunal estadual, o terceiro teria que, obrigatoriamente, ingressar em juízo mediante assistência litisconsorcial, não sendo possível a opção pela via processual dos embargos de terceiro.

Em seu voto, o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que, se o sistema processual permite mais de um meio para a obtenção da tutela jurisdicional, compete à parte eleger o instrumento que lhe parecer mais adequado. Considerando o princípio dispositivo, não é possível que o Judiciário imponha o mecanismo processual a ser utilizado pelo litigante.

“No caso, não há óbice legal à utilização dos embargos de terceiro por parte do condômino. E, da mesma forma, é possível ao cotitular ingressar em juízo mediante assistência litisconsorcial. Conforme sua escolha, haverá, por certo, distintas consequências”, afirmou o ministro.

Assim, o ministro anulou a decisão do TJMT e determinou o processamento regular dos embargos de terceiro. 

Fonte: STJ

Suspensa decisão do TJDFT que impedia divulgação de salários de servidores



O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, suspendeu uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) que afastou a possibilidade de divulgação da remuneração de servidores públicos ligados ao Sindireta-DF (Sindicato dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, Autarquias, Fundações e Tribunal de Contas do Distrito Federal). O fundamento da decisão do TJDFT foi de que seria indispensável uma lei distrital para tratar da divulgação de salários.
A decisão do ministro Joaquim Barbosa ocorreu na Suspensão de Segurança (SS) 4723, ajuizada pelo procurador-geral do Distrito Federal contra a decisão do TJDFT. No pedido, o procurador alegou que a não divulgação dos salários representa grave lesão à ordem pública e desrespeita a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011).
Ao suspender a decisão, o ministro Joaquim Barbosa destacou que o Plenário do STF já reconheceu que a discussão envolve matéria constitucional e, na ocasião do julgamento da SS 3902, permitiu a divulgação de informações relativas à remuneração de servidores públicos. De acordo com o presidente do STF, a orientação adotada pelo Plenário é aplicável também a esse pedido, uma vez que a decisão do TJDFT acabou por inviabilizar a atuação estatal, sob o fundamento de que, mesmo diante de previsão explícita contida na Lei de Acesso à Informação, seria indispensável renovar o tratamento da matéria por meio de lei distrital.
“A lesão à ordem administrativa é evidente”, afirmou o ministro ao destacar que também há potencial multiplicador da decisão concedida pelo TJDFT, suspensa pelo Supremo.
Fonte: STF

Pena máxima do crime define competência no concurso de jurisdições



A pena máxima, e não a mínima, é que deve ser levada em consideração para determinar a gravidade do crime e servir de critério para definir onde se dará o julgamento quando ocorre concurso de jurisdições. Esse foi o entendimento da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que não conheceu de habeas corpus impetrado em favor de réu acusado de formação de quadrilha, peculato, corrupção e extorsão, entre outros crimes.

O concurso de jurisdição ocorre quando o réu é acusado de crimes cometidos em locais sob jurisdição de juízos diferentes, mas de mesmo nível. Segundo o artigo 78, inciso II, do Código de Processo Penal, o julgamento será onde foi cometido o crime de pena mais grave.

O réu estaria envolvido em esquema de corrupção no Detran do Rio Grande do Sul, desmontado na chamada Operação Rodin. Após a denúncia, a ação penal passou a correr na 3ª Vara Federal de Santa Maria.

No habeas corpus, a defesa alegou que a vara federal seria incompetente para julgar, pois entre os crimes imputados ao réu estaria o de extorsão, com pena de quatro a dez anos, prevista no artigo 158 do Código Penal (CP). A defesa alegou que essa seria a acusação mais grave e como, hipoteticamente, tal delito foi cometido em Porto Alegre, o julgamento deveria ocorrer nesta comarca.

Vulgarização do HC

A ministra Laurita Vaz, relatora do processo, considerou inicialmente que o habeas corpus não deveria ser conhecido por estar substituindo recurso ordinário. A ministra apontou que o STJ e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm entendido que o aumento das hipóteses de admissibilidade desse instituto legal tem levado ao seu desvirtuamento. Essa “notória vulgarização” do habeas corpus, segundo ela, “tem abarrotado os tribunais pátrios, em especial o STF e o STJ”.

O STJ, ela também destacou, deve alinhar suas decisões com os julgados do STF sobre o tema, que estão em “absoluta consonância com os princípios constitucionais” como o do devido processo legal e da economia processual. Para não haver prejuízo ao paciente, em caso de habeas corpus substitutivo apresentado antes dessa nova posição dos tribunais, admitiu-se a possibilidade de concessão da ordem de ofício, em situações nas quais o constrangimento ilegal seja evidente. Porém, disse a ministra Vaz, não é este o caso dos autos.

Delito mais grave

A ministra observou que, conforme se alegou no pedido de habeas corpus, entre os crimes pelos quais o réu foi acusado está o de extorsão, com pena mínima de quatro anos, a mais alta entre as penas mínimas dos delitos atribuídos a ele. Porém, a pena máxima para extorsão (dez anos) é menor que a de outros crimes, como peculato-desvio (artigo 312 do CP), corrupção passiva (artigo 317) e corrupção ativa (artigo 333), todos com pena de dois a 12 anos. Esses crimes teriam sido cometidos em Santa Maria, portanto a jurisdição é desta comarca.

“Com efeito, a gravidade do delito, para fins penais, é estabelecida pelo legislador. Por isso, tem-se por mais grave o delito para o qual está prevista a possibilidade de, abstratamente, ser conferida a pena maior”, afirmou a relatora. Se o legislador previu a possibilidade de uma sanção mais alta a um delito – concluiu a ministra –, é por considerá-lo de maior reprovabilidade.

Laurita Vaz ponderou que pode causar surpresa o fato de a extorsão, caracterizada por elementos como a violência e a grave ameaça, ter pena menor do que a corrupção ativa ou a passiva. Porém, ela observou, há razão para isso. “O delito de corrupção pode ter circunstâncias tão diversas que o legislador inferiu que, em hipóteses muito danosas, deve ser muito mais rigidamente apenado”, disse ela.

Com base nesse entendimento, a Quinta Turma concluiu que a competência é do juízo do lugar onde foi cometido o crime de pena máxima mais alta, e, por não verificar ilegalidade flagrante no processo, não conheceu do pedido de habeas corpus. 

Fonte: STJ

Ação de vítima do nazismo contra Alemanha não será processada pela Justiça brasileira



A República Federal da Alemanha não abriu mão da imunidade de jurisdição a que tem direito e, por isso, a Justiça brasileira não irá processar a ação de indenização movida contra aquele estado por uma vítima do nazismo. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu como legítima a nota verbal pela qual a Alemanha informa não aceitar a jurisdição nacional, direcionada ao Itamaraty e levada aos autos do processo.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, considerou correto o procedimento do juízo de primeiro grau, que comunicou ao embaixador da Alemanha no Brasil sobre a existência da ação, por intermédio do Itamaraty. Da mesma forma, a resposta veio aos autos por comunicação do órgão do governo brasileiro, após nota verbal da embaixada da Alemanha.

Conforme lembrou a relatora, a imunidade de jurisdição não é uma regra que automaticamente deva ser aplicada aos processos judiciais movidos contra estado estrangeiro. “Trata-se, na realidade, de um direito que pode, ou não, ser exercido por esse estado”, salientou.

Além disso, podem ser submetidas à jurisdição brasileira as demandas cuja causa de pedir envolva apenas atos de gestão (atos pelos quais “o estado se conduz no uso das prerrogativas comuns a todos os cidadãos”). Nessa linha de entendimento, esclareceu a ministra, qualquer discussão sobre eventual responsabilidade civil por ato ilícito deve passar, primeiro, pela identificação da natureza do ato praticado por esse estado, tendo em vista que, em se tratando de atos de império (atos que envolvem diretamente matéria de soberania), estará imune à jurisdição brasileira.

O caso 
Um francês naturalizado brasileiro ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra a Alemanha. Sustentou que, em 1940, com a ocupação da França pelas tropas nazistas, ele, à época uma criança judia, sofreu todo tipo de perseguições e humilhações em Paris, onde morava.

Em primeiro grau, a ação foi julgada extinta, sem resolução de mérito, antes mesmo da citação. Houve recurso ao STJ (RO 64), que determinou a continuidade do processo, com a “citação” da Alemanha. Nova sentença extinguiu o processo sem resolução de mérito após a recusa do país estrangeiro em se submeter à jurisdição brasileira.

Em novo recurso ao STJ, o autor da ação sustentou que a manifestação da Alemanha teria, necessariamente, de ser feita por mandatário com capacidade postulatória, nos termos do artigo 36 do Código de Processo Civil, e que a ausência desse requisito a sujeitaria à regra de revelia do artigo 319 do CPC.

Termo impróprio 
A ministra Nancy Andrighi observou que o termo “citação”, utilizado no acórdão do RO 64, foi posteriormente considerado impróprio pelo STJ para se referir ao ato de comunicação do estado estrangeiro a fim de que manifeste a sua intenção de se submeter ou não à jurisdição brasileira. Conforme salientou a magistrada, a comunicação não é a citação prevista no artigo 213 do CPC, e nem mesmo de intimação se trata. 

Fonte: STJ

Ação sobre propaganda para bebidas será julgada diretamente no mérito



Por decisão da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4881 - reautuada como a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 22 - será julgada diretamente no mérito. Essa ação foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para questionar omissão legislativa parcial do Congresso Nacional por ausência de regulamentação das propagandas de bebidas de teor alcoólico inferior a 13 graus Gay Lussac (GL).

Conforme ressaltou a PGR na ação, a Constituição Federal de 1988 prevê no artigo 220, parágrafo 4º, que a propaganda de bebidas alcoólicas estará sujeita a restrições legais, incluída advertência, sempre que necessário, sobre os malefícios decorrentes de seu uso. Esse dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei federal 9.294/96 (que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos e terapias e defensivos agrícolas), mas a própria lei restringiu seus efeitos às bebidas com teor alcoólico superior a 13 graus GL. Com isso, não foram alcançadas pela norma legal a publicidade de cervejas e vinhos. 

Por esse motivo, a Procuradoria pede que o STF declare a mora legislativa parcial quanto à regulamentação do artigo 220, parágrafo 4º, da Constituição, com extensão das normas previstas na Lei 9.294/96, a todas as bebidas alcoólicas, independentemente do seu teor de álcool, até que seja superada a lacuna legislativa.

A PGR ressalta que existem dezenas de proposições legislativas em tramitação na Câmara dos Deputados para estender a proibição das normas previstas na Lei 9.294/96 a todas as bebidas alcoólicas, mas todas estão paradas, inclusive um projeto de lei encaminhado pela Presidência da República em 2008, logo após o lançamento da Política Nacional sobre o Álcool.

Rito abreviado
A ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, adotou o artigo 12 da Lei 9.868/99, o qual prevê que, havendo pedido de liminar, o relator poderá submeter o processo diretamente ao Plenário, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação quando a matéria for relevante e envolver especial significado para a ordem social e a segurança jurídica.

A relatora determinou que sejam requisitadas com “urgência e prioridade” informações ao Congresso Nacional sobre o tema. Após a chegada das informações, a ministra já adiantou que será aberto prazo para a manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) e da própria PGR. 
Fonte: STF

Gratificação reivindicada por servidores da Fazenda não se incorpora a vencimentos



A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em recurso repetitivo que a Gratificação de Atividade Executiva (GAE), que era devida aos ocupantes dos cargos pertencentes ao quadro de pessoal do Ministério da Fazenda, não se incorpora ao valor do vencimento.

A decisão, proferida conforme o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, orienta as demais instâncias e faz com que não sejam admitidos recursos para o STJ quando o tribunal local tiver adotado o mesmo entendimento.

Para a Primeira Seção, o plano especial de cargos e salários da Fazenda, instituído pela Lei 11.907/09 (MP 441/08), criou nova estrutura remuneratória, que absorveu integralmente a GAE. Por isso, é indevido o pagamento em separado da gratificação, como reivindicava uma servidora do Paraná.

O relator do processo julgado na Seção, ministro Mauro Campbell Marques, explicou que a Lei 11.907, que entrou em vigor em 3 de fevereiro de 2009, mas produziu efeitos financeiros retroativos a 1º de julho de 2008, determinou a incorporação da GAE ao vencimento básico dos servidores a partir dessa data.

Sem direito adquirido

A lei estabeleceu que, para evitar pagamento em duplicidade dos valores da gratificação, a nova remuneração não poderia ser cumulada com os valores já pagos anteriormente.

“Dessa maneira, conclui-se que a assertiva contida na letra ‘a’ do inciso I do artigo 254 da Lei 11.907 (no sentido de que a GAE deixaria de ser pagar a partir de 29/8/2008) não produz nenhum efeito financeiro concreto sobre a remuneração dos servidores, pois, na prática, já em 1/7/2008 a GAE deixou de ser paga como adicional e seus valores foram incorporados ao vencimento básico dos servidores”, disse ele.

O ministro destacou que a natureza do vínculo que liga o servidor ao estado é de caráter legal e pode sofrer modificações no âmbito da legislação ordinária pertinente, de forma que não existe direito adquirido em relação a regime jurídico. 

Fonte: STJ

Interpretação sobre incidência do fator previdenciário tem repercussão geral reconhecida



Nos benefícios concedidos a segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social até 16/12/1998 deve prevalecer a incidência do fator previdenciário, criado pela Lei 9.876/99, ou as regras de transição trazidas pela Emenda Constitucional (EC) 20/98? Essa questão, discutida no Recurso Extraordinário (RE) 639856, teve repercussão geral reconhecida, por meio de votação no Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF).

O Supremo decidirá qual regra deve ser observada no cálculo de benefícios previdenciários para segurados filiados ao Regime Geral de Previdência até a data da promulgação da EC 20/98. A decisão do STF será aplicada aos processos similares em curso nos demais tribunais do país.
O relator do recurso, ministro Gilmar Mendes, manifestou-se pela existência de repercussão geral, por considerar que a questão constitucional suscitada apresenta “relevância econômica, jurídica, social e política e que ultrapassa os interesses subjetivos da causa.”
A edição da lei que instituiu o fator previdenciário para o cálculo da aposentadoria proporcional ao tempo de contribuição estava prevista na própria emenda constitucional. A nova legislação trouxe regras que alteraram o período básico de cálculo a ser considerado para efeito de concessão do benefício e criaram o fator previdenciário.
Tal fator abrange a expectativa de sobrevida do segurado, seu tempo de contribuição e sua idade, sempre no momento da aposentadoria, bem como fixa nova alíquota de contribuição.
Recurso
O recurso extraordinário foi interposto contra acórdão do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), que decidiu pela aplicação do fator previdenciário no caso de aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, quando deferida com cômputo de período posterior à Lei 9.876/99.
O artigo 6º da Lei 9.876/99, dispõe que “é garantido ao segurado que até o dia anterior à data de publicação desta Lei tenha cumprido os requisitos para a concessão de benefício o cálculo segundo as regras então vigentes”.
Entretanto, o acórdão do TRF-4, ao interpretar a EC 20/98 e a legislação posterior, concluiu não haver óbice à incidência da nova legislação – incluindo do fator previdenciário – aos benefícios concedidos com cômputo de tempo posterior à vigência da Lei 9.876/99.
Para a autora do recurso, a introdução do fator previdenciário no cálculo do salário-de-benefício não é inconstitucional. Contudo, pondera no recurso que a aplicação desse fator não deve ocorrer em relação aos benefícios anteriores, concedidos com base na regra de transição estabelecida no artigo 9º da EC 20/98. A interpretação para o caso caberá agora ao Plenário do STF.
Fonte: STF

Menos que público, mais que privado: os direitos transindividuais na jurisprudência do STJ



Os interesses coletivos e difusos sempre estiveram presentes na vida em sociedade. Entretanto, conforme a realidade social foi se tornando mais complexa, principalmente por conta das mudanças surgidas após a Revolução Industrial – como o surgimento dos conflitos de massa –, os chamados “interesses ou direitos transindividuais” ficaram mais evidentes.

Segundo o professor Pedro Lenza, “em decorrência das novas relações que marcaram a sociedade do final do século XIX e durante todo o século XX, a tradicional dicotomia estanque, rigidamente bifurcada, representada pela divisão do direito em dois grandes ramos – público e privado – não mais consegue abarcar as novas relações advindas com as transformações vividas pela sociedade moderna” (Teoria Geral da Ação Civil Pública).

No Brasil, a proteção dos interesses transindividuais, relacionados ao meio ambiente, ao consumo e a outros bens e direitos, legitimou-se com a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e, posteriormente, foi ampliada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

Ações

Tanto a ação civil pública, como a ação popular, são instrumentos para defesa de tais direitos. Entretanto, a primeira tem abrangência maior. Segundo o ministro João Otávio de Noronha, integrante da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o cabimento da ação civil pública não prejudica a propositura da ação popular, nos termos do caput do artigo 1º da Lei 7.347.

“Ambas convivem no sistema pátrio, diferindo-se, basicamente, quanto à legitimidade ativa, porquanto, quanto ao objeto, tutelam praticamente os mesmos interesses, sendo a popular apenas mais restrita que a civil pública”, mencionou o ministro no julgamento do Recurso Especial (REsp) 224.677.

Economia processual

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, “as ações coletivas surgiram com o intuito de racionalizar a atividade judiciária e promover a isonomia entre os jurisdicionados”.

O ministro Humberto Gomes de Barros (já falecido) compartilhava o mesmo entendimento. “As ações coletivas foram concebidas em homenagem ao princípio da economia processual. Com apenas uma decisão, o Poder Judiciário resolve controvérsia que demandaria uma infinidade de sentenças individuais. Isso faz o Judiciário mais ágil”, afirmou no julgamento do Mandado de Segurança 5.187.

Para o ministro, outra vantagem é que a substituição do indivíduo pela coletividade torna possível o acesso dos “marginais econômicos” à Justiça e, dessa forma, “o Poder Judiciário aproxima-se da democracia”.

Nem público nem privado

Os interesses transindividuais ou metaindividuais não são públicos, nem individuais ou privados, ou seja, fazem parte de uma terceira categoria. Pertencem a grupos de pessoas ligadas por vínculos fáticos ou jurídicos. Além disso, caracterizam-se pela transcendência sobre o indivíduo; têm natureza coletiva ampla e não se restringem a nenhum grupo, categoria ou classe.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), abrangem os interesses difusos (de pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato), os coletivos (de pessoas determinadas – grupo, categoria ou classe – ligadas entre si, ou contra outras, por relações jurídicas) e os individuais homogêneos (de pessoas ligadas por um evento de origem comum).

Ao longo dos anos, o STJ resolveu várias demandas acerca das ações usadas na defesa dos interesses transindividuais, relacionadas a legitimidade, alcance, prazo prescricional, competência para julgamento, entre outros. Também firmou jurisprudência que orienta os operadores do direito sobre a interpretação mais justa para a defesa desses interesses. Confira alguns casos.

Legitimidade 
“O Ministério Público ostenta legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos transindividuais”, afirmou o ministro Luiz Fux no julgamento do REsp 1.010.130.

Em 2003, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou ação civil pública contra uma concessionária de energia elétrica, para que a empresa fosse obrigada a emitir faturas com dois códigos de barra, correspondentes aos valores da conta de energia e da contribuição de iluminação pública.

Para o juízo de primeiro grau, a matéria era de ordem tributária e, por essa razão, não poderia ser discutida em ação civil pública. Na apelação, o MPMG sustentou que a pretensão tinha natureza consumerista e não tributária.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) deu provimento ao recurso, pois reconheceu o direito do contribuinte de optar pelo pagamento dos valores de forma unificada ou individual. No recurso especial, a companhia afirmou que o MPMG não teria legitimidade para a propositura da ação.

Esfera individual

Segundo o ministro Luiz Fux, relator do recurso especial, as ações relacionadas a interesses individuais homogêneos, como a do caso específico, participam da ideologia das ações difusas.

“A despersonalização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais”, explicou Fux.

Para o ministro, o simples fato de o direito ser supraindividual, já o torna indisponível, o que é suficiente para legitimar o Ministério Público para o ajuizamento da ação.

No julgamento do REsp 1.264.116, a Segunda Turma do STJ reconheceu a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizamento de ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos. De acordo com o ministro Herman Benjamin, relator do recurso especial, cabe ao órgão a proteção de qualquer interesse individual homogêneo, principalmente aqueles associados aos direitos fundamentais.

“Sua legitimidade ad causam [para a causa] não se guia, no essencial, pelas características ou perfil do objeto de tutela (critério objetivo), mas pela natureza ou status dos sujeitos protegidos, os necessitados (critério subjetivo)”, afirmou.

Edital

Na origem, a Defensoria Pública moveu ação civil pública contra regra de edital de processo seletivo da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), que previa, como condição para a inscrição de interessados, a participação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), além de exigir nota média mínima.

Em primeira instância, o juízo afirmou que, ao contrário do que ocorre nas ações individuais, nas quais a Defensoria pode atuar em todas as áreas, desde que a parte seja hipossuficiente, o órgão teria legitimidade para propor ação civil pública somente para proteção do consumidor, da criança e do adolescente.

“Nos termos do artigo 1º da LACP, a ação civil pública destina-se exclusivamente à proteção de interesses difusos e coletivos, mas não de individuais homogêneos”, disse a magistrada.

Direito à educação

Segundo o ministro Herman Benjamin, “o direito à educação, responsabilidade do estado e da família, é garantia de natureza universal e de resultado, orientada ao ‘pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade’, daí não poder sofrer limitação no plano do exercício, nem da implementação administrativa ou judicial”.

Para o relator, seria incompatível com a missão “tão nobre e indeclinável” do direito à educação interpretar as normas que o asseguram de maneira restritiva. Além disso, ele lembrou que é sólida a jurisprudência do STJ que admite a proteção dos interesses individuais homogêneos pelos legitimados para a propositura da ação civil pública.

Energia elétrica
De acordo com o artigo 82, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, além do MP, a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal, as entidades e órgãos da administração pública direta e indireta e as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano têm legitimidade para a defesa dos interesses transindividuais dos consumidores.

No julgamento do REsp 1.002.813, a Terceira Turma do STJ entendeu que o dispositivo mencionado “deve sempre receber interpretação extensiva, sistemática e teleológica, de modo a conferir eficácia ao preceito constitucional que impõe ao estado o ônus de promover, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

No caso julgado, a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro ajuizou ação civil pública contra uma concessionária de energia elétrica, que pretendia substituir os antigos relógios, tradicionais medidores de energia, por medidores eletrônicos (chips).

Personalidade jurídica

O juízo de primeiro grau extinguiu o processo, considerando a ilegitimidade ativa da comissão para a propositura da ação civil pública. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também negou provimento à apelação.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial no STJ, “no que concerne à defesa dos interesses transindividuais, o critério para a aferição da legitimidade do agente público não deve ser limitado à exigência de personalidade jurídica ou mesmo ao rigorismo formal que reclama destinação específica do órgão público para a defesa dos interesses tutelados pelo CDC”.

Alcance

Em dezembro de 2011, a Corte Especial do STJ discutiu acerca do alcance dos efeitos da sentença coletiva. No REsp 1.243.887, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que “os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo”.

A sentença proferida na ação civil pública ajuizada pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor (Apadeco) condenou o Banco Banestado ao pagamento de expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança de todos os poupadores do estado do Paraná que tinham contas em cadernetas de poupança na instituição financeira, entre junho de 1987 e janeiro de 1989.

Em razão da decisão, um dos clientes ajuizou execução individual na comarca de Londrina (PR) para receber a satisfação do que foi decidido na ação coletiva.

Limites territoriais

O Banestado interpôs recurso especial contra o cliente, no qual sustentou que os limites territoriais da sentença não poderiam ser todo o território do Paraná, mas somente o território de competência do órgão prolator da decisão, ou seja, a comarca de Curitiba.

Ao analisar o recurso, a Corte Especial entendeu que o alcance determinado pelo magistrado de primeiro grau não poderia ser alterado em execução individual, “sob pena de vulneração da coisa julgada”.

“A limitação contida no artigo 2º-A, caput, da Lei 9.494/97, de que a sentença proferida ‘abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator’, evidentemente não pode ser aplicada aos casos em que a ação coletiva foi ajuizada antes da entrada em vigor do mencionado dispositivo, sob pena de perda retroativa do direito de ação das associações”, afirmou Salomão.

Prazo prescricional

“A ação civil pública e a ação popular compõem um microssistema de tutela dos direitos difusos, por isso que, não havendo previsão de prazo prescricional para a propositura da ação civil pública, recomenda-se a aplicação, por analogia, do prazo quinquenal previsto no artigo 21 da Lei 4.717/1965.” Esse foi o entendimento da Quarta Turma no julgamento do REsp 1.070.896.

Na origem, o Instituto Brasileiro de Defesa do Cidadão (IBDCI) ajuizou ação civil pública contra o Banco do Brasil, visando o pagamento, aos poupadores com conta na instituição financeira, das diferenças decorrentes dos denominados “expurgos inflacionários” referentes aos Planos Bresser e Verão (planos econômicos que geraram grandes desajustes às cadernetas de poupança).

Em primeira instância, o juízo julgou os pedidos improcedentes, sob o fundamento de que a demanda estaria fundada apenas no CDC, “que não se aplica aos contratos celebrados anteriormente à sua vigência”.

Cinco anos

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina negou provimento aos recursos, mas por fundamento diferente. Aplicou o prazo prescricional de cinco anos para o ajuizamento da ação civil pública.

No recurso especial interposto no STJ, o Ministério Público de Santa Catarina pretendia que fosse reconhecido o prazo de 20 anos, em razão da ausência de previsão específica quanto ao prazo prescricional na Lei 7.347.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, “ainda que o artigo 7º do CDC preveja a abertura do microssistema para outras normas que dispõem sobre a defesa dos direitos dos consumidores, a regra existente fora do sistema, que tem caráter meramente geral e vai de encontro ao regido especificamente na legislação consumerista, não afasta o prazo prescricional estabelecido no artigo 27 do CDC [cinco anos]”.

Competência 
Em dezembro de 2011, a primeira Seção do STJ analisou conflito de competência para o julgamento de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Alagoas (MPAL) contra o Partido Socialista Brasileiro (CC 113.433).

O MPAL pretendia que o partido político parasse de degradar o meio ambiente com pichações ou qualquer tipo de pintura nas edificações, muros ou monumentos urbanos.

O juízo comum entendeu pela sua incompetência para o julgamento da ação civil pública, pois, para ele, como a matéria tinha relação com propaganda política, cabia à atuação da Justiça Eleitoral. Entretanto, o juízo eleitoral suscitou o conflito e remeteu o processo ao Tribunal Regional Eleitoral, que o encaminhou ao STJ.

Natureza difusa

De acordo com o ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do conflito de competência, a Justiça Eleitoral não tem competência para o julgamento da ação civil pública, uma vez que não estaria em discussão nenhuma matéria relacionada a direitos políticos, inelegibilidade, sufrágio, partidos políticos, normas eleitorais e processo eleitoral.

“A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela do meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nessa época, bem como não constitui aspecto inerente ao processo eleitoral”, afirmou o relator. 

Fonte: STJ

Sindicato responde por danos causados à sociedade em operação tartaruga



O Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a condenação do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Belo Horizonte ao pagamento de multa em razão de uma “operação tartaruga” promovida pela entidade em 1994, que causou verdadeiro caos urbano e prejuízos a toda a comunidade, usuários ou não do serviço.

A Terceira Turma, em decisão unânime, seguiu o voto do relator, ministro Villas Bôas Cueva, que manteve o entendimento das instâncias originárias de que o sindicato responde civilmente pelos danos causados aos consumidores, lesados pela deflagração de paralisação “desarrazoada” do serviço público.

O sindicato, afirmou o ministro, “responde, à luz das regras civilistas, por suas condutas material e moralmente lesivas praticadas no curso de movimento de cunho grevista, consoante previsto no artigo 15 da Lei 7.783/89”, bem como em virtude do dever de não lesar o próximo.

O relator afirmou que, “evidentemente, mesmo no período de greve, ou de movimento sindical, em atividade essencial de transporte público (artigo 10, V, da Lei 7.783), faz-se necessário observar as garantias fundamentais previstas no artigo 5º da Constituição Federal, tais como o direito à vida, à segurança, à livre expressão e difusão do pensamento, à livre circulação, à propriedade privada e à liberdade de trabalho, a fim de encontrar o equilíbrio que deve ser buscado na colisão de direitos”.

Villas Bôas Cueva concluiu que “a liberdade sindical relativa ao direito de greve não é absoluta, encontrando limites no sistema jurídico, em que os direitos dos cidadãos devem conviver harmonicamente”.

O sindicato também foi proibido de realizar futuras manifestações análogas, sob pena do pagamento de multa, impondo-se a cessação do movimento ilegal.

A operação

Em 1994, após assembleia, o sindicato decidiu instigar a chamada “operação linguição” como estratégia de pressão para a reivindicação de melhoria de condições salariais a determinada categoria de empregados celetistas. Para tanto, os motoristas deveriam reduzir a velocidade dos ônibus para dez quilômetros por hora, “evitando toda e qualquer ultrapassagem, fechando cruzamentos e impedindo a entrada e saída de veículos particulares de suas garagens”.

A Associação Brasileira de Consumidores ajuizou ação civil pública contra o sindicato, pedindo indenização correspondente à soma dos valores arrecadados pelas empresas concessionárias de transporte público de Belo Horizonte (vales-transportes, tickets e passagens) durante a operação padrão.

A petição inicial esclarece que o sindicato não foi demandado como prestador ou fornecedor de serviços públicos, mas por, “deliberadamente e indevidamente, decidir, programar e executar ilícito civil em detrimento dos direitos do consumidor (usuário do transporte coletivo), com claro e nítido prejuízo econômico e moral".

Competência

Ao julgar o caso, o ministro Villas Bôas Cueva teceu reflexões sobre a competência para julgamento do processo. Salientou que até a Emenda Constitucional 45/04 (a denominada “Reforma do Judiciário”), as ações envolvendo reparação civil por prejuízos causados pelos sindicatos, decorrentes de atos ilícitos relacionados ao exercício do direito de greve, eram ajuizadas perante a Justiça comum. A partir da promulgação da emenda, houve ampliação do rol das matérias submetidas à Justiça do Trabalho, que passou a ser competente para julgar todas as ações fundadas no exercício do direito de greve.

A sentença é de 1997, razão pela qual foi mantida a competência da Justiça comum para conhecer e julgar o caso em análise, conforme prevê a Súmula 367 do STJ.

Limites

“Independentemente da declaração da ilegalidade da denominada ‘operação linguição’, deflagrada na década de 90, as instâncias ordinárias reconheceram a ocorrência de efetivos danos aos consumidores, vítimas da má prestação do serviço público de transportes urbanos na cidade de Belo Horizonte” – afirmou o ministro, observando que o movimento provocou “verdadeiro caos urbano” cuja responsabilidade foi imputada exclusivamente ao sindicato, responsável por sua deflagração e instigação.

O tribunal de segunda instância reconheceu o sindicato como responsável e mentor da operação, autor da ordem que deflagrou o movimento que “desrespeitou acintosamente o direito dos consumidores”. Para o ministro, “o sindicato ultrapassou os limites do seu direito, contrariando a finalidade da norma, abusando da paralisação”.

Empresa

O sindicato pretendia que a empresa concessionária de transporte coletivo fosse incluída no processo, mas o relator confirmou o entendimento do tribunal estadual no sentido de não haver relação contratual ou legal apta a permitir eventual denunciação da lide no caso.

Para o ministro, o sindicato pretende “desviar o foco da questão a fim de imputar a outrem (vítima do evento, diga-se de passagem) responsabilidade por sua conduta ilegal e abusiva no exercício do direito de greve, que deve ser reparada na esfera civil”. 

Fonte: 

Acionamento de air bag por buraco na pista não gera dano moral



Há responsabilidade objetiva do fabricante pelo disparo de dispositivo de proteção contra colisão efetivado pelo simples tráfego em estrada esburacada. Porém, o fato não causa dano moral indenizável. A decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a indenização por danos materiais, de R$ 12 mil, imposta à BMW pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), mas afastou a condenação por danos morais.

Na primeira instância, a sentença entendeu que o air bag foi acionado corretamente e sem vícios, já que o impacto causado pelo buraco na pista teria até mesmo cortado o pneu. O TJRN, porém, deu provimento à apelação, condenando a fabricante pelos danos materiais e também pelos morais, estes estipulados em R$ 5 mil.

Para o TJRN, o abalo sofrido pelo adquirente de automóvel de luxo, que confia em sua qualidade divulgada pela propaganda, seria evidente. O dano moral decorreria do susto “memorável” e dos instantes de incerteza quanto aos desdobramentos “terríveis” do disparo do air bag, que afetou o controle do carro.

Uso regular 
A ministra Nancy Andrighi afirmou que o acionamento do air bagrealmente foi indevido e constitui defeito do produto. Para ela, o tráfego pelas rodovias brasileiras, com frequência em mau estado de conservação, configura situação regular de uso do produto, e não gera risco além do normal, por isso não se exclui a responsabilidade da fabricante.

Ela destacou que a responsabilidade pelo fato do produto nas relações de consumo é objetiva e dispensa a análise da culpa. “Oair bag constitui dispositivo de segurança, que objetiva proteger os ocupantes do veículo em caso de colisão. Dessa forma, se a causa do acionamento foi o automóvel ter passado por buraco na estrada em que trafegava, por óbvio que o dispositivo de segurança foi acionado erroneamente, o que constitui defeito do veículo”, avaliou a ministra.

Dissabor

Porém, com relação ao dano moral, ela divergiu do TJRN. Para a relatora, apesar de ser dispensável a comprovação do dano psicológico, sua ocorrência deve ser avaliada conforme regras de experiência do julgador. No caso, segundo ela, o acionamento doair bag representa mero aborrecimento, sem nenhuma exposição dos proprietários do carro a vexame ou constrangimento.

“Não se discute a frustração da expectativa que se depositou na utilização de um veículo de luxo que apresentou defeito. Esse acontecimento, contudo, não é suficiente para evidenciar o dano moral”, ponderou a ministra Nancy Andrighi.

De acordo com a relatora, não é possível imputar à fabricante do carro nenhuma conduta capaz de representar ofensa moral aos proprietários, e por essa razão deve ser afastada a condenação à compensação por danos morais imposta pelo tribunal de origem. 

Fonte: STJ

Regulamento estadual não pode criar nova espécie de compensação do ICMS



A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão inédita, entendeu que o Regulamento do ICMS do Estado do Rio Grande do Sul não pode exigir que a compensação dos créditos do imposto, em operações com produtos agropecuários, ocorra com débitos fiscais decorrentes de operação de mercadoria da mesma espécie da que originou o respectivo não estorno, sob pena de violar a Lei Complementar 87/96. A decisão, unânime, acompanhou o voto do relator, ministro Mauro Campbell Marques.

O recurso julgado foi apresentado pela empresa Fasolo Artefatos de Couro Ltda. Ela adquiriu unidade filial da empresa Defer S/A, obtendo, em virtude dessa operação, a transferência de créditos acumulados de ICMS, que, posteriormente, foram utilizados para fins de compensação.

O fisco estadual autuou a empresa, com base no artigo 37, parágrafo 8º, do Decreto Estadual 37.699/97 (RICMS), pois os créditos acumulados pela Defer decorreram da venda de adubos e fertilizantes sob o regime de isenção e os débitos (compensados) referem-se a operações com artefatos de couro.

Créditos do não estorno

O ministro Mauro Campbell Marques explicou que o artigo 155, parágrafo 2º, inciso II, da Constituição Federal impõe que a isenção ou não incidência não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; e acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

Segundo ele, a Constituição, em regra, impõe a anulação (estorno) dos créditos de ICMS, ressalvando a existência de "determinação em contrário da legislação" (artigo 155, parágrafo 2º). A Lei Complementar 87, no que se refere aos produtos agropecuários, autorizou, de forma plena, o creditamento do imposto cobrado nas operações anteriores às isentas com o imposto devido nas operações subsequentes. Em relação a outras mercadorias, a autorização depende da previsão em lei estadual (artigo 20, parágrafo 6º, II, da LC 87).

Ilegalidade do RICMS

O ministro relator entendeu que, embora o artigo 155, parágrafo 2º, da Constituição tenha utilizado a expressão "legislação", não se pode esquecer que o artigo 155, parágrafo 2º, XII, "c", da Constituição dispõe que cabe à lei complementar disciplinar o regime de compensação do ICMS.

A LC 87, em harmonia com a Constituição, assegura o direito à compensação levando em consideração o imposto devido em cada operação, na qual haja circulação de mercadoria ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, sem impor que a operação antecedente refira-se a uma determinada mercadoria ou serviço.

O ministro Mauro Campbell Marques concluiu que, se o legislador complementar federal não impôs restrição ao aproveitamento dos créditos relativos aos produtos agropecuários, essa restrição não pode ser fixada por regulamento estadual. Ao dispor assim, o regulamento estadual inovou o ordenamento jurídico, deixando de observar, inclusive, o artigo 99 do Código Tributário Nacional, concluiu o relator.

Acrescentou, ainda, que verificar se um regulamento extrapola ou não o conteúdo da lei não implica usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Sobre esse ponto, o ministro Castro Meira ressaltou que “evidentemente essa matéria não é constitucional; é uma matéria infraconstitucional, genuinamente infraconstitucional”. 

Fonte: STJ

Bateau Mouche: quase 25 anos depois, recursos ainda tramitam na Justiça



Réveillon de 1988. Baía de Guanabara. O que seria uma celebração grandiosa, diante de um dos cenários de ano-novo mais conhecidos do mundo, tornou-se uma das maiores tragédias nacionais. Os desdobramentos jurídicos do caso são ilustrativos de como o excesso de recursos e trâmites processuais pode impactar o desfecho de disputas judiciais. Conheça como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem enfrentado as questões decorrentes desse acidente.

O naufrágio do Bateau Mouche teve 150 vítimas. A embarcação de luxo onde era promovida festa para assistir à queima de fogos de Copacabana afundou no litoral carioca. Cinquenta e cinco pessoas morreram.

Questões processuais, porém, tiveram de ser reiteradamente discutidas pelos tribunais brasileiros e atrasam, ainda hoje, a solução definitiva do caso. Consideradas somente as ações de ordem civil, envolvendo a empresa responsável pela embarcação, tramitaram mais de 40 processos no STJ, gerando cada um diversos recursos internos. Quase todos foram rejeitados ou inadmitidos em suas decisões principais. Ao menos cinco processos ainda aguardam julgamento no STJ. Outros tantos tiveram seguimento no Supremo Tribunal Federal (STF).

Competência 
Uma das primeiras questões enfrentadas pelo STJ foi definir a Justiça competente para o processo, se estadual ou federal. Já em 1991, o Tribunal apontava que, havendo alegação de interesse da União no processo, caberia ao juiz federal decidir sobre a existência desse interesse e da legitimidade passiva.

Nesse processo, um dos vários abertos pelas vítimas e seus familiares, a ação fora proposta contra a Bateau Mouche Rio Turismo Ltda., fundada em responsabilidade pelo contrato de transporte. A empresa, porém, requereu a denunciação da lide à promotora do evento – Itatiaia Turismo Ltda. – e à União, por conta de suposta responsabilidade da Capitania dos Portos, que teria falhado na fiscalização da embarcação.

Ao receber o processo, em vez de decidir sobre a legitimidade, o juiz federal suscitou conflito negativo de competência. O STJ determinou que ele decidisse, por ato processual próprio, sobre a legitimidade passiva da União no caso (CC 1.334).

Vistoria e sócios

Em recurso julgado em 1998 (REsp 158.051), o STJ manteve a condenação da União por omissão na vistoria do barco. A Justiça Federal fluminense afirmou que em diversas oportunidades a fiscalização teria feito “vista grossa” quanto à plataforma de concreto montada sobre o convés superior do barco, “juntamente com as caixas d’água impróprias e criminosamente construídas”; e, no dia do acidente, teria deixado de notar a presença de mesas e pranchas soltas, o que teria contribuído para o naufrágio.

Os sócios da Bateau Mouche – que eram donos também da empresa responsável pelo bufê, Cavalo Marinho Comestíveis Ltda. – alegavam, no mesmo recurso, que não tinham legitimidade para figurar na ação. O STJ manteve o entendimento da Justiça Federal, no sentido de desconsiderar a personalidade jurídica de “sociedades pobres com sócios ricos”. Para o juiz da ação, as empresas tinham porte econômico modesto, mas assumiam obrigações “infinitamente” maiores que suas forças.

O relator, ministro Barros Monteiro, destacou que naquela noite a embarcação chegou a ser abordada pela fiscalização – conforme uma das decisões da Justiça Federal, ela foi abordada três vezes pela Polícia Marítima – e teve de retornar à origem.

Porém, com a presença dos sócios, diretamente interessados na execução do evento e concretização dos lucros previstos, o barco conseguiu zarpar novamente, com peso excessivo e instalações impróprias. A imprudência configuraria abuso de direito suficiente para permitir a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica das empresas.

Os ministros afirmaram, ainda, que essa teoria estava admitida pelo sistema jurídico brasileiro mesmo antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ainda não existente quando do naufrágio.

Bens dos gerentes

Em 2002, os ministros do STJ decidiram sobre o cabimento do arresto de bens dos sócios das empresas. A medida foi requerida pela União, para tornar indisponíveis todos os bens dos réus até o fim da execução e garantir as parcelas que cada um deles tivesse de pagar, por conta da condenação solidária, junto com a União, nas indenizações a familiares das vítimas.

No Recurso Especial (REsp) 334.759, o STJ aplicou decreto de 1919 para bloquear os bens dos sócios gerentes das empresas condenadas. Nessa ação, o ministro Ruy Rosado de Aguiar destacou que não se tratava de desconsideração da personalidade jurídica dos sócios, não realizada na fase de conhecimento.

Segundo o relator, tratava-se de aplicação do artigo 10 do Decreto 3.708/19, relativo à execução por atos decorrentes de uso indevido dos poderes de gerência. Ainda para o ministro, a hipoteca não bastaria para resguardar os direitos da União e seria inócua no caso, sendo necessária a cautelar de arresto.

Parecer em quatro anos 
No Recurso Especial 220.656, a União rediscutiu, em processo com outras partes, sua legitimidade passiva, entre outros pontos. O recurso foi autuado em junho de 1999 e encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF) em setembro do mesmo ano. O processo só foi devolvido, com o parecer, em março de 2003, e o recurso foi levado a julgamento em maio daquele ano.

A Terceira Turma não conheceu nenhum dos aspectos do recurso. Conforme o ministro Menezes Direito, a questão da legitimidade da União para responder pela omissão de seus agentes foi embasada nos fatos e provas, que, no entender das instâncias ordinárias, vinculam o estado ao naufrágio. O STJ não poderia revisar essas conclusões, por extrapolar a interpretação de leis.

A União também pretendia discutir a cumulação do dano material com o moral, que em seu entender seria inviável. Porém, a Corte Especial do STJ já havia sumulado a matéria desde 1992, em sentido contrário ao sustentado pela União.

Bufê 
Em um dos processos, a empresa responsável pelo bufê da celebração foi acionada isoladamente pelos empregados. No Agravo de Instrumento (Ag) 541.621, a Cavalo Marinho questionava o fato de ter figurado sozinha no polo passivo.

Para a empresa, em todas as outras 30 ações relativas ao caso, constavam também a União, a Bateau Mouche Turismo e a Itatiaia. A situação nesse processo seria “inexplicável”. Por isso, todos deveriam ser chamados ao processo, que também deveria ser julgado pela Justiça Federal.

O ministro Aldir Passarinho Junior, porém, negou os pedidos. Para ele, não ficou comprovada, nas instâncias ordinárias, a solidariedade entre as empresas e a União, não havendo razão para retardar o andamento da causa com essas discussões.

Reiterações

Outro recurso, julgado em 2008, tratou dos mesmos temas já decididos antes: legitimidade passiva da União, desconsideração da personalidade jurídica das empresas e cumulação de danos morais e materiais, entre outros aspectos. Todos os pedidos no REsp 170.681 foram rejeitados.

Esses e outros argumentos também foram rejeitados pelo STJ no REsp 942.414, que teve origem em ação movida por viúva e filhas de vítima em 1999. Os mesmos pontos foram igualmente tratados no REsp 875.575. Neste recurso, discutiu-se ainda o preparo do processo, já que os sócios deixaram de indicar o número do processo nos comprovantes de pagamento de custas.

O recurso debatia também a necessidade de denunciar a lide à seguradora. A matéria, porém, já tinha sido discutida no REsp 170.681. Em ambos os processos, o STJ entendeu que, ainda que no início do processo a denunciação da lide tenha sido negada de modo incorreto, não se justificaria, em recurso especial, restabelecer tal fase processual.

Essa solução contrariaria as finalidades do próprio instituto, que serve para dar celeridade ao processo. Além disso, o réu condenado poderia ainda exercer eventual direito de reparação contra aquele que deixou de integrar o processo inicial, em ação autônoma posterior.

Culpas 
Ainda no REsp 875.575, o STJ apreciou outra matéria: a Bateau Mouche sustentava que a responsabilidade era da empresa promotora do evento e do engenheiro contratado como armador da embarcação (que faleceu no naufrágio).

O Tribunal apontou, no entanto, que as instâncias ordinárias afirmaram que ela era a empresa responsável pela conservação do barco, transferindo a ele até mesmo seu nome, e que a contratação do engenheiro armador não excluía sua responsabilidade. Ao contrário, tratava-se de culpa in eligendo(decorrente de má escolha), principalmente por se tratar de engenheiro civil e não naval.

A empresa também teria tido culpa in vigilando (falha na vigilância necessária sobre atos de outros), já que faltou com a devida fiscalização no dia do acidente, não impedindo a colocação de mesas e cadeiras soltas nem evitando a saída para alto-mar em condições adversas de tempo.

Prescrição

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) confirmou, em apelação, a condenação da União em uma das ações em 2005. De acordo com o TRF2, a União não suscitou, em nenhum momento do processo de conhecimento, a prescrição da indenização. Teria havido, portanto, preclusão, não podendo ser ela alegada somente em embargos de declaração.

Porém, em 2006, a lei processual foi alterada para permitir que a prescrição em casos assim pudesse ser reconhecida de ofício. Daí a União sustentou, no REsp 93.322, ter ocorrido prescrição em seu favor. Isso porque a omissão fiscalizatória da Capitania dos Portos teria ocorrido em 1980, e a ação só foi ajuizada em 1989.

A ministra Denise Arruda, porém, rejeitou os argumentos. Para ela, além de não poder ser aplicada a lei de 2006 em processo julgado ordinariamente em 2005, o prazo contaria da data do acidente, 1988, e não de 1980, quando o barco foi inicialmente inspecionado por conta de alterações na estrutura.

No REsp 942.414, também se discutiu a prescrição. Nesse caso, os réus argumentavam prescrição do pedido porque a ação foi iniciada mais de dez anos após o acidente. Porém, as instâncias ordinárias afastaram a relação de consumo – justificadora desse prazo – porque o falecido era empregado de uma das empresas. Não se trataria, portanto, de direito de consumidor, mas pessoal, com prazo regulado, à época, pelo Código Civil de 1916.

Crimes 
O único processo criminal submetido ao STJ foi contra um dos sócios da empresa, condenado a quatro anos de detenção em regime semiaberto. Para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), ele cometeu os crimes de perigo comum qualificado e atentado culposo e qualificado contra a segurança de transporte marítimo.

No REsp 178.435, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) buscava afastar o caráter culposo, aplicando o conceito de dolo eventual. Conforme a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o sócio, gerente do negócio, agiu de forma culposa ao fornecer ao público embarcação em mau estado de conservação, com instalações que afetavam sua estabilidade e equipamentos de salvamento precários – coletes em local de difícil acesso, somente em um convés, sem botes e com apenas quatro boias para 150 pessoas.

Para o MPRJ, os sócios sabiam do estado “lastimável” da embarcação, das condições “inóspitas” do mar e ainda foram advertidos pela Guarda Costeira naquela data. Ainda assim, retornaram ao mar. Por isso, a conduta mereceria a aplicação do dolo eventual, por terem assumido o risco do resultado.

O STJ, porém, entendeu não ser possível avançar no pedido do MPRJ. Para o ministro Felix Fischer, em decisão de 1999, contrariar a conclusão do TJRJ exigiria a revisão profunda de provas, o que não é permitido ao tribunal superior na análise de recurso especial. Segundo a imprensa, houve ainda condenações criminais, na esfera militar da União, de membros da Capitania dos Portos, que não se submetem à jurisdição do STJ.

Pendentes

Hoje, encontram-se ainda pendentes de julgamento no STJ pelo menos cinco recursos relacionados ao caso. No EREsp 728.456, os sócios das empresas responsabilizadas questionam a competência interna da Primeira Seção para julgar casos de responsabilidade civil do estado.

Segundo eles, a competência seria da Segunda Seção, conforme o STJ já teria decidido em outras ocasiões. Eles tiveram o recurso especial inadmitido pelos ministros da Primeira Turma, daí a apresentação dos embargos de divergência. Esse processo será relatado pela ministra Eliana Calmon, na Corte Especial.

Outros embargos de divergência (875.575) também foram apresentados pelos sócios contra decisão da Segunda Turma do STJ. O caso foi distribuído ao ministro Ari Pargendler, que ainda não se pronunciou sobre a admissão dos embargos. Caso o relator entenda cabíveis os embargos, a Corte Especial julgará a divergência.

Outros três recursos especiais (1.107.094, 1.157.541 e 1.301.595) estão pendentes de julgamento. Os dois primeiros, dos sócios das empresas, chegaram ao STJ em 2009 e serão julgados pela Primeira Turma. O último foi autuado em 2012, e a Segunda Turma entendeu por submetê-lo à Corte Especial, onde deverá ser julgado. 

Fonte: STJ

Mesmo sem relação de consumo, Embratel deve indenizar revendedora de carros por falhas no serviço



Ainda que uma empresa revendedora de veículos não possa ser equiparada a consumidor final de serviços de telefonia, a fornecedora deve indenizar pelas falhas ocorridas no sistema. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o direito à espécie para, mesmo afastando a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC), manter a indenização por danos materiais concedida a uma revendedora de veículos com fundamento no Código Civil (CC).

Os problemas nos telefones da revendedora ocorreram em agosto de 2007, no Rio de Janeiro. A loja alegava que as falhas teriam comprometido seus investimentos em publicidade, causando danos materiais e morais. A sentença acolheu o pedido de devolução parcial dos valores gastos com publicidade, fixando o dano em R$ 26 mil.

Finalismo aprofundado 
A ministra Nancy Andrighi, inicialmente, apontou que o STJ tem acolhido a teoria finalista aprofundada nas relações de consumo. Por essa interpretação, pode ser equiparada a consumidor a empresa que não retira o produto ou serviço de forma definitiva do mercado, desde que ocorra uma situação de vulnerabilidade.

Assim, ainda que o consumo vise o lucro e se integre à atividade negocial, havendo vulnerabilidade da empresa contratante diante da fornecedora, podem-se aplicar as regras das relações consumeristas.

A relatora acrescentou que, tradicionalmente, a doutrina apresenta três tipos de vulnerabilidade: técnica, caracterizada pelo desconhecimento específico do produto ou serviço; jurídica ou científica, pelo desconhecimento jurídico, contábil ou econômico e suas consequências nas relações; e fática ou socioeconômica, que abrange situações de insuficiência física, econômica ou mesmo psicológica do consumidor.

Além disso, a jurisprudência estaria acolhendo mais recentemente a vulnerabilidade informacional, como desdobramento autônomo da vulnerabilidade técnica. E, ainda conforme a ministra, poderiam ser identificadas em cada caso outras formas de vulnerabilidade capazes de atrair a aplicação do CDC.

No caso analisado, no entanto, nenhuma delas estaria presente. E a própria revendedora alegava que o serviço fazia parte de sua cadeia produtiva, sendo essencial ao seu negócio. Por isso, também não poderia ser considerada destinatária final do serviço de telefonia.

Direito à espécie

A relatora avaliou que, afastado o CDC e não havendo necessidade de revisar as provas produzidas, poderia o próprio STJ aplicar o direito ao caso concreto, conforme autoriza seu regimento interno. Assim, evita-se o retorno dos autos à origem, privilegiando a economia processual e a duração razoável do processo, ambos princípios constitucionais.

“Compulsando os autos, verifica-se que, apesar de terem aplicado o CDC, as instâncias ordinárias concluíram pela suficiência da prova carreada aos autos e pela existência de culpa da Embratel”, afirmou a ministra.

Um documento juntado pela própria telefônica indica que não houve nenhum serviço prestado entre 9 e 22 de agosto daquele ano. A sentença também considerou que, entre os dias 1º e 9 daquele mês, foram registradas menos de quatro ligações diárias e nenhuma entre os dias 10 e 21. Para a sentença, isso evidencia a existência do problema apontado pela autora. A Embratel não pleiteou a produção de prova contrária.

CC e CDC

“Vale frisar que o juiz de primeiro grau de jurisdição não se baseia exclusivamente no CDC para impor o ônus da prova à Embratel, tendo fundamentado sua decisão no fato de que cumpria a ela comprovar a suposta inexistência de falha na prestação do serviço, porque se trata de fato impeditivo do direito da autora”, acrescentou a ministra.

A relatora afirmou ainda que não se trata de inverter ou não o ônus da prova, mas aplicar a teoria da distribuição dinâmica da carga probatória. Assim, a Embratel teria melhores condições de produzir prova de inexistência do defeito do que a revendedora de provar tecnicamente sua ocorrência. Essa prova poderia ser até mesmo impossível, considerou a ministra Nancy Andrighi.

“Seja com for, constata-se que a prova carreada aos autos é suficiente para evidenciar a culpa da Embratel pelos danos suportados pela recorrida, sendo evidente que o defeito no funcionamento das linhas telefônicas tornou inócuo, nos dias em que perdurou o problema, o investimento realizado em publicidade”, acrescentou a ministra.

“Diante disso, apesar de, no particular, a condição de consumidora não ser extensível à recorrida, não se vislumbra motivo para reforma da parte dispositiva da sentença, calcada na existência de culpa da Embratel”, concluiu. 

Fonte: STJ

Confirmada aplicação da Lei de Improbidade aos magistrados por prática de atos não jurisdicionais



A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, deu provimento a recurso do Ministério Público Federal (MPF) para permitir o prosseguimento de ação de improbidade administrativa contra uma juíza eleitoral do Rio Grande do Norte.

Os ministros entenderam que é cabível esse tipo de ação contra magistrado que supostamente teria deixado de praticar ato de ofício na esfera administrativa, em benefício próprio ou de outra pessoa.

O MPF ajuizou ação civil pública por ato de improbidade, ao argumento de que a recorrida, na condição de juíza eleitoral, visando atender interesses de seu cônjuge, então candidato a deputado, teria escondido e retardado o andamento de dois processos penais eleitorais, nos quais a parte era parente e auxiliar nas campanhas eleitorais de seu marido.

Contra o recebimento da petição inicial, a envolvida apresentou recurso no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que considerou que a ação de improbidade não poderia ter sido proposta contra membro do Poder Judiciário em face de ato judicial.

Para o TRF5, o reconhecimento de ato de improbidade requer o exercício de função administrativa, “não se admitindo a sua extensão à atividade judicante”. O Ministério Público, inconformado, recorreu ao STJ.

Ato inaceitável 
O relator do recurso especial, ministro Mauro Campbell Marques, refutou o entendimento do TRF5. “O ato imputado à recorrida não se encontra na atividade finalística por ela desempenhada. O suposto ato de improbidade que se busca imputar à recorrida não é a atitude de não julgar determinados processos sob sua jurisdição – fato este plenamente justificável quando há acervo processual incompatível com a capacidade de trabalho de um magistrado – ou de julgá-los em algum sentido”, disse.

Para o relator, o que justifica a aplicação da norma sancionadora é a possibilidade de identificar o animus do agente e seu propósito deliberado de praticar um ato inaceitável à função de magistrado.

“Aqui se debate o suposto retardamento preordenado de dois processos penais eleitorais em que figura, como parte, pessoa que possui laços de parentesco e vínculos políticos com o esposo da magistrada. Além disso, o Ministério Público deixou claro que tais processos foram os únicos a serem retidos pela magistrada”, afirmou o ministro.

Já é pacífico no STJ, segundo o relator, o entendimento de que magistrados são agentes públicos para fins de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, cabendo contra eles a respectiva ação, na forma dos artigos 2º e 3º da Lei 8.429/92.

Imparcialidade 
Mauro Campbell Marques destacou que a ação de improbidade, de fato, não é cabível contra ato jurisdicional, mas este não é o caso do processo. Na hipótese analisada, a parcialidade da juíza ao supostamente ocultar processos com o objetivo de possibilitar a candidatura do esposo pode, em tese, configurar ato de improbidade.

“Não se pode pensar um conceito de Justiça afastado da imparcialidade do julgador, sendo um indicador de ato ímprobo a presença de interesse na questão a ser julgada, aliada a um comportamento proposital que beneficie a umas das partes. Constatada a parcialidade do magistrado, com a injustificada ocultação de processos, pode sim configurar ato de improbidade”, disse ele.

“A averiguação da omissão injustificada no cumprimento dos deveres do cargo está vinculada aos atos funcionais, relativos aos serviços forenses, e não diretamente à atividade judicante, ou seja, à atividade finalística do Poder Judiciário”, finalizou o relator.

Fonte: STJ